quarta-feira, 7 de abril de 2010

Abraços Partidos

"Todo filme precisa ser terminado, ainda que não possa ser visto."


 

    Com essa frase de Mateo Blanco – diretor de um filme que se desenrola dentro do filme – chega ao fim Abraços Partidos, cujo tema central é o cinema narrado através das lentes de Pedro Almodóvar. O cinema, enquanto criação ficcional, é uma cena que se dá a ver no enquadre que tela delimita e no qual são projetadas as fantasias inconscientes daquele que constrói um filme. Escolher os planos, executar a montagem de uma sequência, é algo que se dá através da tessitura de um texto que oferece moldura a uma tela na qual o espectador é capturado nos fios de luz que orquestram o desenrolar de uma cena nunca antes vista, mas sempre repetida.

Em Abraços Partidos, Almodóvar nos leva a percorrer o universo do cinema através de um "olhar cego" representado pela personagem Henrry Cane, um cineasta que após sofrer um acidente de automóvel que lhe tira a visão empreende a montagem do filme que havia dirigido. Trata-se de uma montagem que fará somente através do som da voz dos atores. É a sua escuta das modulações da voz produzidas durante a interpretação que define a sequência que utilizará. O "fora do tom" lhe revela as nuances e tonalidades de uma sequência que o ator, repetiu repetiu repetiu... lhe permitindo assim, através dos cortes, engendrar um outro sentido à cena antes imposta por Ernesto, produtor do filme.

Se Abraços Partidos traz à cena o cinema e termina com um filme que, tendo recebido o sentido do outro, precisa ser remontado, ainda que não possa ser visto, Volver, se encerra com fantasmas que nunca morrem, nas palavras proferidas por Irene, avó de Raimunda (Penélope Cruz). Os fantasmas nunca morrem, pois são eles que estruturam e suportam a realidade de uma outra cena, esta inconsciente. É a cena sobre a cena sheakspeareana tão empregada por Almodóvar em seus filmes e retratada de forma muito específica em Abraços Partidos, onde encontramos Ernesto Filho fornecendo incessantemente ao pai imagens acerca do dia-a-dia de Lena (Penélope Cruz) – mulher de seu pai e protagonista do filme por ele produzido – nos settings, culminando com seu envolvimento amoroso com o diretor Mateo Blanco. São imagens que vão compor um filme dentro do filme, ao qual Ernesto assiste, gozozamente, com o auxílio de uma intérprete em leitura labial, posto que o mesmo não contém som. Interpretação cujo desfecho ouvimos através da voz da própria Lena quando, ao adentrar a sala de projeção, surpreendentemente dá voz à personagem de uma outra cena. Lena invade a cena da qual se fará personagem inserindo nela a sua voz, dando corpo à personagem e revelando a outra cena. Experiência cinematográfica que pode ser encontrada no trabalho de Eduardo Coutinho em Jogo de Cena, no qual atrizes e não atrizes contam suas histórias levando o espectador à indistinção entre a cena teatral e a realidade daquele que narra a sua cena.

    É assim que Mateo inclui na tela cinematográfica a queda de Lena ao ser empurrada por Ernesto do alto de uma escada, quando a mesma está deixando a casa. Tal Jogo de Cena, traço de Almodóvar, faz com que fatos e ficção se misturem na narrativa cinematográfica conduzindo o espectador através de uma sequência de planos que oferece enquadre à cena. Se a cena possui jogo é, como nos mostra Eduardo Coutinho, um jogo significante que faz com que o visível seja reduzido a uma montagem significante que se dá a ler àquele que pode ouvi-la ainda que não possa vê-la. Ao fazer o filme, Mateo Blanco, encena o texto de uma história que só será ouvida por Henrry Cane ao montá-lo.

    
 

    


 

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